Para o “Start da Semana” da MundoLogística, Carolina Cabral (Market Director da consultoria Robert Half) comentou sobre o impacto de grades curriculares que não refletem demandas do mercado – tanto para os profissionais, quanto para as empresas do setor
Por Christian Presa
Executiva diz que empresas devem estar dispostas à investir em capacitação (Foto: Divulgação)
A alta na demanda pelo profissional de logística vem sendo apontada há alguns anos. Em uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Logística (Abralog) em parceria com a consultoria KPMG e divulgada em março de 2020, foi reportado que 63% das empresas entrevistadas enfrentavam dificuldades para encontrar profissionais qualificados no setor.
Tal cenário sublinha desafios para os dois lados da mesa. Do ponto de vista quem busca emprego na área ou quer fazer um upgrade na carreira, a meta é se munir das ferramentas necessárias para compor o perfil requisitado no mercado de trabalho. Para as empresas que buscam preencher vagas, fica, principalmente, a tarefa de reconhecer potenciais candidatos e se comprometer a desenvolvê-los.
Na visão da Market Director da consultoria Robert Half, Carolina Cabral, tudo isso tem como pano de fundo a importância do ensino formal em logística – e a defasagem das grades curriculares das instituições brasileiras frente às demandas e tendências do mercado.
Em entrevista exclusiva para o “Start da Semana” da MundoLogística, a executiva comentou sobre os skills técnicos e comportamentais esperados dos profissionais, o equilíbrio entre essas competências, o valor agregado às que apostam em diversidade e muito mais.
Leia na íntegra!
É muito comum encontrar profissionais de outras áreas (Administração, Engenharia, Economia etc.) atuando em logística, principalmente nas altas gestões. Na sua opinião, por que não são sempre os profissionais formados em Logística que estão ocupando esses cargos?
Acho que faz todo sentido que essas vagas sejam preenchidas por profissionais tanto da área de administração quanto da área de engenharia. Principalmente da engenharia. E eu vou te trazer o porquê de uma maneira muito transparente. Hoje, a educação formal de logística está muito ultrapassada. Quando a gente fala do curso de Gestão Logística, por exemplo, estamos falando de um curso que ainda não abrange a parte online – ou seja, de marketplace, logística last mile e toda a parte de e-commerce. Isso tudo ainda não é visto no mundo educacional com o foco que deveria ter. A educação continuada de um profissional que atua na área de logística é fundamental e a formação em engenharia, por exemplo, permite um pensamento extremamente sistêmico que cai como uma luva num cargo logístico. Um profissional de administração ele também tem uma visão ampla que é muito importante para um profissional de logística. Então, o profissional não necessariamente tem que ter uma formação de gestão logística.
Essa convergência de áreas é uma particularidade do Brasil ou dá para dizer que esse fenômeno também é comum em outros países ao redor do mundo?
Eu diria que é algo generalizado. Não consigo opinar sobre a estrutura curricular de logística fora do Brasil, mas sei que a estrutura curricular de um curso de logística de terceiro grau no Brasil está defasada. Até porque eu participo de fóruns com professores e líderes de cadeiras de logística em universidades e eles mesmos têm uma luta dentro das universidades para mudança curricular. Eu não tenho essa informação de fora do Brasil, mas sei em cargos de empresas multinacionais também têm essa questão de profissional ser formado em engenharia e administração, e não somente em logística.
Todos os anos, um número considerável de rankings aponta o profissional de logística como um dos mais requisitados no mercado de trabalho. Isso é um sinal de que o setor está crescendo muito rápido ou é mais um sinal de que existe um déficit para encontrar profissionais qualificados para as vagas?
Eu colocaria que são os dois pontos. O mercado está crescendo muito rápido, sim, e hoje existe uma ligação muito forte entre os profissionais de logística e marketing. Ou seja, hoje o profissional de marketing é muito responsável pela parte comercial de uma empresa, principalmente quando se fala de e-commerce, marketplace e empresas que fazem qualquer tipo de venda online. Com isso, o profissional de logística precisa ter uma interação com o marketing e isso gera crescimento na área de logística das empresas como um todo, além das próprias empresas do segmento logístico. Então, sim, a logística vem crescendo. E, em adição a isso, isso existe uma dificuldade gigante de contratação de profissionais de logística. Pelo nosso Guia Salarial de 2023, a logística é o setor que lidera a contratação, e cerca de 76% dos recrutadores mostraram dificuldade em contratar profissionais de logística. Quando a gente fala de dificuldade é tanto de achar skills comportamentais, quanto habilidades técnicas. É por isso que faço o link entre a logística, o marketing e a tecnologia. Então, o setor está crescendo e, além das vagas de crescimento, existem vagas de substituição porque o profissional não tem todos os skills técnicos e comportamentais para o cargo.
Você diria que é mais difícil preencher essas vagas do ponto de vista dos skills técnicos ou das habilidades comportamentais?
Quando o contratante busca um candidato, geralmente se busca pelo skill técnico. Quando o gestor de uma área de logística vai entrevistar um coordenador, analista, especialista, gerente ou qualquer outro cargo, ele vai focar primeiro nos skills tecnológicos, se a pessoa é focada em otimização de processos, se é uma pessoa que tem integração com todos os CRMs que são utilizados etc., mas depois, quando se demite um profissional, geralmente se é pelo lado comportamental. Seja porque ele não teve atitude de aprendizado, ou não teve a atitude de se somar à cultura da empresa, e nada disso. Então, é na hora da demissão que se olha para trás e se vê que faltou um monte de skills comportamentais. Não é necessariamente na hora da entrevista ou de um processo seletivo que os skills comportamentais estão num primeiro plano para um gestor de logística. Deveria estar, porque na hora de demitir isso grita. Então, a sugestão é sempre olhar para os dois com a mesma ênfase, porque um não é maior ou mais importante do que o outro. É uma soma dos dois.
Sobre a dificuldade para encontrar profissionais qualificados no setor, o que as empresas podem fazer para quebrar esse paradigma?
Em primeiro lugar, a empresa tem que estar disposta e preparada para encontrar uma pessoa que, em termos de perfil comportamental, vá ao encontro da cultura da empresa e que, mesmo com alguns gaps técnicos, pode ser contratada e treinada internamente. Isso facilitaria muito a contratação. Ou seja, na prática, ao invés de você contratar uma pessoa sênior, você contrataria uma pessoa do nível pleno ou júnior que tenha os skills comportamentais que casam com a cultura da empresa e proveria um incentivo educacional. Esse patrocínio por parte da empresa valeria tanto para a capacitação de algo específico, quanto para incentivar o profissional a buscar a própria qualificação. Um curso de idioma, por exemplo, ou para o profissional conhecer um sistema que ele não conhece. O incentivo educacional, seja por parte da empresa ou por parte do profissional, é sempre uma solução número um. Às vezes, você vai contratar uma pessoa que não tenha o nível inglês que você precisa, mas o fato de a empresa ajudar com o inglês pode facilitar a contratação. O idioma ainda é uma barreira, e não só para níveis baixos. O profissional de logística com inglês é um perfil muito mais valorizado e a gente ainda se depara com casos em que um profissional brilhante acaba sendo reprovado pela comunicação em outro idioma.
Do ponto de vista de quem contrata, quais quesitos precisam ser considerados para selecionar os profissionais corretos para trabalharem no setor?
O profissional precisa ter um foco grande em inovação, porque a logística vem se transformando. Ela é dinâmica. É uma carreira que exige muita flexibilidade do profissional, pois ele sempre terá que dominar novos sistemas e estar sempre antenado com tecnologia e inovação. É por isso que sempre volto na questão da educação formal. A grade curricular de uma faculdade de logística foi criada muito antes de existirem as startups, por exemplo. Então, essa questão de inovação precisa estar no sangue. Além disso, esse profissional precisa ser sistemático, porque a logística ela é uma ciência precisa. É importante também que seja uma pessoa com habilidades tecnológicas, que saiba ler o mundo digital e que crie elo com os demais. A logística é uma área que é um pivô nas empresas, então esse profissional precisa ter link tanto com a área de suprimentos quanto com a área de vendas. Até porque o profissional de logística faz a operacionalização da venda. Então, ele precisa ser um profissional com relacionamento interpessoal adequado para fazer negócios na empresa. Esses são os pontos fundamentais.
A presença das mulheres na logística tem crescido e vem sendo celebrada. Na sua visão, o que motivou essa alta do número de mulheres no setor?
Nós fazemos uma pesquisa anual, chamada “Índice de Confiança Robert Half” [ICRH], que mostra que, de modo geral, as empresas vêm avançando na promoção de equidade de gênero no ambiente corporativo. Isso vai muito em linha com os RHs. Ainda há muitas empresas que não estão ligadas em diversidade de inclusão, mas há muitas que já entenderam que isso faz parte da retenção de talentos. Então, no caso da logística, essas empresas querem que as mulheres também estejam em foco. Não é mais, nem menos. É igual. As mulheres não podem mais ser um grupo menorizado na logística. A Robert Half fez um estudo, em parceria com o Insper, e descobriu que homens e mulheres são igualmente motivados a liderar. O que vemos de diferente hoje é a oportunidade. O RH que está ligado em diversidade e inclusão é um RH que está disposto a ter um time heterogêneo, que geralmente é o que terá maior produtividade. Então, isso está totalmente ligado com a última linha de resultado e tem empresas enxergando isso.
Na sua visão, ainda há mais espaço para as mulheres conquistarem na logística?
Sem dúvida. E de novo: eu sempre volto na academia, no incentivo das mulheres jovens a terem uma formação técnica para chegar em uma primeira vaga que é a porta de entrada de uma empresa na área de logística. Acredito que o começo de tudo isso não está no mercado de trabalho, mas sim na educação. Não adianta a gente no mercado de trabalho buscar um nicho de pessoas que não teve a educação formal.
Você é muito enfática em relação à educação e ao fato de o ensino formal em logística estar defasado. Por que você acha que o ensino em logística não reflete as necessidades de mercado?
Eu me deparo muito com a desatualização. Quando a gente chega no mercado de trabalho, em uma primeira entrevista, já é esperado que o candidato de uma vaga de entrada saiba se comportar, tenha equilíbrio emocional para esperar o entrevistador terminar de falar, não fale mal da faculdade ou do trabalho anterior e se esforce para dar evidências, exemplos e coisas mais concretas para uma entrevista. Em resumo, que ele tenha uma visão de mercado e uma opinião atualizada sobre logística, last mile, operação porta a porta e atendimento ao consumidor final de uma maneira Impecável. São habilidades comportamentais esperadas em uma entrevista de emprego que não são ensinadas em uma educação formal. Se você vai nessas faculdades que a gente está falando aqui, como Administração, Engenharia e Logística, essas questões não estão na grade curricular. E não é só sobre não ter na grade. É sobre não haver um incentivo ao aluno para que ele busque isso fora da universidade. Tem tantos cursos gratuitos e tanta literatura, mas isso é muito pouco falado no ensino de terceiro grau. Quando participo de palestras universitárias e levo pequenas dicas de perfil comportamental, eu percebo que o aluno fica impressionado e satisfeito de se sentir preparado para uma entrevista. Quando você treina, tudo fica tão simples. Então, estou reforçando isso primeiro por causa da atualização técnica, sem dúvida, mas também pela questão comportamental.
Ainda há quem diga que a tecnologia irá eliminar os postos de trabalho não só na logística, mas em todos os setores. Como essa questão é encarada, do ponto de vista de quem recruta talentos?
Para começar, a Inteligência Artificial, por exemplo, está longe de substituir os profissionais da logística naquilo que tange a inteligência e o contato humano. Isso nunca será substituído. A Inteligência Artificial irá fazer atividades mais mecânicas e padronizadas, mas é o ser humano que vai continuar exercendo as atividades em que é necessário senso crítico, análise, criatividade e elo entre as pessoas. Isso a Inteligência Artificial não faz. É claro que as atividades operacionais poderão ser substituídas. Mas, para isso, é necessário investir muito na capacitação da mão de obra, pois quem opera a inteligência artificial é o ser humano. Agora, em relação à tecnologia de uma maneira geral, é muito bacana que o profissional que quer se sobressair tenha uma base de conhecimento em CRM. Seja do SAP, TOTVS, Proteus, enfim… existe uma pluralidade gigante de CRMs que é o mundo das empresas. O importante é saber o que o CRM pode gerar em termos de relatórios, o que é preciso imputar no sistema para que ele te traga o resultado e o report que você deseja. Então, o profissional precisa ter essa consciência tecnológica desde o início da carreira e em todos os níveis da cadeira de gestão. Quando se fala de uma alta gestão de logística, é preciso que o profissional seja tecnológico para conseguir comandar um time gigante de pessoas em um warehouse ou um CD, por exemplo. É o que se chama de upskilling, ou seja, partir de um skill que já existe e aprimorá-lo ao longo da sua carreira.
Fala-se muito sobre um profissional atualizado para o setor de logística. Pensando de uma espécie de checklist, o que esse profissional precisa ter para se destacar no mercado de trabalho e construir uma carreira de sucesso?
Sempre gosto de começar é pelo perfil comportamental. O profissional ele tem que ter uma habilidade de comunicação e persuasão. Ele será o profissional responsável por fazer elos na empresa. Então, esse profissional precisa ter um nível de comunicação muito bacana para falar com pessoas desde o nível operacional até o C-Level da empresa. E não só na comunicação em si, mas na habilidade de fazer escuta ativa e analisar as informações antes de passá-las para frente, pois são essas informações que farão a cadeia inteira se mover. Além disso, eu citaria também flexibilidade e persuasão como as principais características comportamentais que são esperadas. Nos skills técnicos, o profissional de logística precisa ser ligado em inovação, porque ele precisa fazer acontecer a questão da tecnologia. E ele também tem que ter a habilidade sistêmica nesses termos.
Fonte: Mundo Logística