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EBA - Empresa Brasileira de Armazenamento, Redex e Operações Logísticas
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Em entrevista para o Start da Semana da MundoLogística, o executivo também compartilhou percepções sobre o status do profissional de logística brasileiro, o papel da sustentabilidade nesse cenário e como a Logística 4.0 tende a se desdobrar no futuro

Por Christian Presa


Camilo Adas, é enfático ao ressaltar a importância da integração de sistemas como um dos fundamentos da Logística 4.0 (Foto: Divulgação)

Não é pretensão dizer que a Indústria 4.0 é uma realidade incontestável que, em maior ou menor grau, já está transformando o nível de digitalização das empresas. E essas mudanças são enfatizadas por questões de sociedade: segundo uma pesquisa realizada pela Dell no final de 2020, a pandemia fez 87,5% das empresas brasileiras acelerarem os processos de transformação digital.

No caso logística, os conceitos do 4.0 originaram a visão de Logística 4.0, amparada por modelos de operação que tenham a tecnologia como um pilar. O objetivo, apesar da mudança de mindset, não muda: obter ganhos operacionais e corresponder à expectativa de atender um mercado ávido por serviços como o fast delivery.

No entanto, pensar em Logística 4.0 vai além do que propor a visão simplista de que a tecnologia, por si só, é a resposta. Trata-se de uma transformação cultural da forma de realizar e fazer gestão de processos que pode representar grandes desafios para as companhias.

Em entrevista exclusiva para o Start da Semana da MundoLogística, o Chairman Of The Board Of Directors da SAE Brasil, Camilo Adas, é enfático ao ressaltar a importância da integração de sistemas como um dos fundamentos da Logística 4.0. O executivo também compartilhou percepções sobre o status do profissional de logística brasileiro, o papel da sustentabilidade nesse cenário e como a Logística 4.0 tende a se desdobrar no futuro.

Leia na íntegra.

Fala-se muito sobre os benefícios da Logística 4.0, mas adotá-la pode ser um processo desafiador. Quais são as dificuldades de levar o conceito da Indústria 4.0 para a Logística?

Primeiramente, precisamos determinar qual tipo de empresa e de serviço estão sendo discutidos. Em termos gerais, podemos falar da logística de grandes empresas, com mais de 2 mil funcionários. Quando falamos dessas grandes companhias logísticas, que compram, vendem e exportam materiais, elas já vêm organizadas do mundo tradicional. Elas foram evoluindo ao longo de sua história e estruturaram tudo em cima de um determinado processo de gestão operacional que nasce de forma orgânica. Às vezes, há um gerente ou líder de área que estruturam [os processos] em cima das ferramentas possíveis e isso se consolida. Mas, à medida que isso se consolida, é difícil mudar. Então, o primeiro grande desafio para a empresa é se reinventar e estabelecer um novo patamar, já nos conceitos da Indústria 4.0. Se ela nunca foi bem organizada e eficiente, as falhas inerentes ao processo estão lá, independentemente de vir com os conceitos de 4.0. Às vezes, a dificuldade de passar para a 4.0 não é só pela tecnologia em si, mas pelos problemas estruturais do modelo de gestão contemporâneo. Isso precisa ser saneado, inclusive aproveitando a transição de um modelo de gestão para garantir que a 4.0 tenha sua máxima utilidade. Já para as empresas menores, como transportadores autônomos, a realidade é totalmente diferente. A complexidade do processo logística é outra e, muitas vezes, as ferramentas também são diferentes. Não dá para dizer que as grandes empresas são mais tecnológicas que as pequenas, até porque uma pequena empresa pode usar um aplicativo disponível em qualquer app store que não seja específico para operações logísticas, mas que pode ajudar nos processos. Nesse sentido, as empresas pequenas podem ser até mais ágeis para implementar o 4.0.

Nesse sentido, apostar em gestão seria uma forma de as empresas se prepararem que essa transformação digital seja menos “dolorosa”?
Quando a gente fala em gestão, preparação e dores, estamos falando de características humanas. Ou seja, da forma como o ser humano trata esse tipo de coisa. A preparação está muito vinculada ao grau de prontidão e aceitação do indivíduo para o novo. Isso independe de idade, sexo e perfil profissional. Existem pessoas jovens que são mais “engessadas” e menos curiosas para o novo, assim como existem pessoas com mais idade ávidas por novidades. O fato é que a dor é estrutural, organizacional e financeira. Então, é preciso investir em novos recursos das 4.0 e, para isso, é preciso ter ímpeto inovador. À medida que o indivíduo tem isso, a aposta na 4.0 se torna uma questão estratégica, por meio diferentes possibilidades e formas de análise. Já vi inúmeros processos de mudança acontecerem e as pessoas terem maior ou menor grau de prontidão para isso, mas o fato é que há novos desafios no mundo da logística que não cabem apenas à curiosidade. É uma questão de obrigação. A empresa que não investir em otimização e melhorias vai ficar para trás. Um exemplo é o foco nas questões climáticas, que trazem pressão sobre a necessidade de eficiência energética e descarbonização e podem mudar totalmente a realidade da logística no futuro, onde se considere a relação entre eficiência logística e eficiência ambiental. Por exemplo, no caso dos transportadores, o custo de combustível e emissão gasosa estão muito próximos. Quanto mais se otimiza a operação do ponto de vista logístico em função do custo financeiro, melhor será a otimização gasosa. Mas existe um limite de ruptura, a partir do qual uma determinada tecnologia fica exaurida, e é nesse momento em que você precisa trocar de tecnologia.

Você atuou por mais de 30 anos na indústria automobilística. Pensando no impacto da Indústria 4.0 e na forma como essa pauta se tornou relevante nos últimos anos, como essa indústria se transformou nesse sentido?

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A grande transformação no setor automotivo foi o just in time. Durante 30 anos, eu vi a história de tirar estoque de dentro das fábricas e diminuir ativos que ficam estacionados em três fases. A primeira é a que havia receio de que o fornecedor não iria entregar no tempo certo e com a agilidade necessária para as variações produtivas. Então, o foco era fazer tudo em casa, com grandes estoques e verticalização absurda. Dos anos 1990 para os anos 2000, isso mudou, quando o just in time começou a falar extremamente alto. A moda era tirar tudo da fábrica e ter um sistema de logística totalmente integrado, em que a demanda “puxa” a produção e o fornecedor precisa estar pronto para entregar no prazo. Nesse momento, houve uma tendência de integração muito grande até do ponto de vista de tecnologia para ter um sistema de compras e escalonamento logístico bastante integrados. Com isso, muitos almoxarifados foram reduzidos ou mesmo extintos. Só que se começou a perceber que a responsabilidade e o risco do estoque estavam sendo transferidos para o fornecedor. Não é possível ter uma cadeia tão enxuta e perfeita para ter um sequenciamento de produção e logística que funcione tanto na montadora e quanto nos Tiers 1, 2 e 3. Na montadora, não ter mais o estoque na planta era um grande benefício, mas nos tiers o risco de haver ruptura era o mesmo de antes. Essa tendência demorou para se estabelecer e, agora, também está sendo revista. Se há um sequenciamento de produção just in time, mas o fornecedor está muito longe de você, os riscos logísticos de alguma falha – como os lockdowns durante a pandemia e o navio encalhado no Canal de Suez – levaram a uma revisão desse conceito que ainda não se estabeleceu. Em resumo, a grande mudança para grandes empresas ao longo das décadas foi sair do estoque e ir para o just in time, mas depois começar a ter o just in time como uma excelência operacional não tão boa a ponto de se revisar e ter ideias de voltar a ter estoque ­– não necessariamente na fábrica, mas em centros de distribuição próximos.

Pensando nas principais tecnologias da Logística 4.0 (IoT, Big Data, Machine Learning etc.), você diria que alguma delas é o carro-chefe desse conceito e que, sem ela, não existe Logística 4.0?

Acredito que seja a integração por meio da Internet das Coisas, que avançou bastante. Quando íamos entrar no ano 2000, todo mundo ficou com medo do “Bug do Milênio”, porque tudo [supostamente] ia parar. Estávamos tão integrados em termos de internet que, se o computador parasse por não entender a lógica de “virada”, o mundo iria parar. Mas não parou. Cito essa analogia por uma razão: se desde o ano 2000 o mundo já estava tão interligado por meio da internet, ao longo dos últimos 20 anos isso aumentou e hoje está tudo mais interligado ainda. Seja Internet das Coisas, Indústria 4.0, Logística 4.0… o foco é a interligação. Esse é o grande diferencial que permite que a Logística 4.0 funcione, conectando centros fabris, de demanda, centros de distribuição, etc. Essa interligação por meio da internet é o que permite que tudo aconteça e, sem ela, nada seria possível.

Existe algum cenário em que a automatização proposta pela Indústria 4.0 não é bem-vinda? Ou o futuro de tudo é a automatização?
Há muitas coisas são tão específicas e customizadas que a automatização não irá ajudar. Para automatizar, é preciso compor algoritmos que espelhem atividades repetitivas. Assim, atividades que não são tão repetitivas assim não justificam a criação de um portfólio de informações e algoritmos automatizados que serão usados poucas vezes. É o conceito da butique, que serve para um atendimento mais personalizado, também serve na Logística 4.0 porque nem tudo é volumoso. Nem tudo precisa ser 100% automatizado.

Um dos pilares da Logística 4.0 é o funcionamento em rede. Que tipo de benefício essa integração traz para uma cadeia de suprimentos?
O pensamento em rede é fundamental porque todas as cadeias logísticas envolvem o produtor e o transporte em diferentes modos, passando também pelo desembaraçamento alfandegário e taxas portuárias. Então, tirar algo que está em A e levar até B contempla muitas pessoas e empresas, bem como diferentes processos e modos de transporte. É por meio do pensamento em rede da Logística 4.0 que se encontra a solução para isso. Falo muito sobre isso porque não se pode esquecer que o termo “Logística 4.0” eventualmente pode aparecer a partir do momento que o produto está finalizado na fábrica e pronto para ser entregue, mas a questão da rede vai muito além, incluindo também a parte da logística inbound. Só o pensamento em rede é capaz de integrar isso. 

A proposta do conceito 4.0, não só em Logística, vem atrelada à necessidade de que os profissionais do segmento estejam preparados para isso. Nesse sentido, como você acha que os profissionais da logística brasileira estão?

É como eu disse: não depende de questões como idade e sexo, mas sim do perfil do indivíduo. Há muitos profissionais de logística extremamente bem preparados, que estão antenados com tudo que está acontecendo. Até porque a responsabilidade deles é muito grande, pois são eles que têm que fazer uma continuidade enorme de sequenciamentos. Então, o profissional precisa ser bom. A questão é que, assim como em qualquer área, ainda tem gente que não está preparada. Que tem conhecimento prático, mas não entende conceitualmente o que vem de novo por aí. Tem também quem entenda teoricamente, mas não possui experiência. Como em outras profissões, há muito o que se fazer. Não consigo dizer de uma forma pessimista que a Logística 4.0 já chegou e não há ninguém pronto, porque seria ofensivo para ótimos profissionais que estão fazendo um trabalho maravilhoso. Mas ainda há muito para se fazer e se equalizar, especialmente no Brasil. Somos um país de diferenças, com grandes limites educacionais, e isso se reflete na logística. Há pessoas com sistemas superultrapassados conversando com pessoas que têm uma visão extremamente moderna do estado da arte. Nesse sentido, acredito que o maior desafio seja equalizar as diferenças para ter um sistema mais eficaz e equilibrado. 

Na sua visão, como o ensino precisa ser para que os profissionais estejam prontos para o 4.0?

Primeiramente, o ensino precisa oferecer uma visão geral sobre quais são os conceitos do 4.0 e como cada um dos pilares precisa e pode ser aplicado nessa indústria. Sem isso, não dá nem para começar. A partir de olhar para cada conceito, alguns [conceitos] farão mais sentido para um determinado tipo de profissional, e outros para demais tipos. Depois de uma visão macro e tendo escolhido as áreas que são mais fundamentais, o ensino precisa ter o aprofundamento adequado. E, independente disso, a logística está passando por critérios bem específicos, como a exigência de processos 100% verdes em toda a cadeia e conceitos como globalização versus regionalização da cadeia de suprimentos. Dessa forma, o ensino também precisa ajudar o profissional a fortalecer a visão macroeconômica e estratégica. Além disso, há novas ferramentas específicas que trazem novas necessidades de aprendizado.

Pensando nos próximos anos, qual você acha que é o próximo passo na Indústria 4.0? Existe algum conceito ou tecnologia em específico que vai ser a “bola da vez”?

Acredito que um dos principais pilares avaliados será a integração de sistemas. A gente tem uma série de sistemas em cada etapa do processo logístico e, dentro dessa lógica, a integração é um grande desafio. Inclusive, existem projetos bastante importantes e coerentes que estão falando em interligar e otimizar para fazer um “livro aberto” da gestão logística e oferecer mais transparência de mercado. Hoje, é difícil ter uma gestão adequada nesse sentido. O principal pilar é, então, a integração, que será um processo mandatório e pode ser um gargalo para o futuro. Outro pilar é a cyber security. Há muita coisa ligada à logística que pode ter cunho estratégico, de segurança das empresas – tanto embarcadoras, quanto operadoras logísticas ­– e até mesmo de soberania de uma nação. Esse é um tema para hoje e para o futuro. A questão das simulações também é muito importante, pois elas irão simular fluxo logístico, assim como fatores de eficiência energética e ambiental para auxiliar na tomada de decisão. Basicamente, à medida que tudo isso é feito, Big Data, Analytics e Cloud Computing são ferramentas que darão suporte para que essas primeiras estratégias se consolidem.

Fonte: Mundo Logística

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