Em entrevista exclusiva para a MundoLogística, diretora-executiva da ABOL revelou plano de ter uma Agenda 2030 com foco em ESG, a atuação em prol do PL 3757/2020 – que regulamenta atividade dos operadores logísticos no Brasil – e muito mais
Por Christian Presa
“As empresas do meu grupo estão olhando para essa questão [ESG], ainda que estejam em estágios diferentes” (Foto: Divulgação)
O conceito de integração – para além do sentido abstrato da palavra – tem se tornado recorrente na logística, especialmente quando se trata de repensar questões de produtividade, lucro e elevação do nível de serviço para o cliente. Nesse sentido, a presença do operador logístico (OL) desponta como uma forma de “chegar lá”, ao embarcar diferentes etapas da cadeia.
É fato que o setor está em franca expansão. De acordo com o Perfil dos Operadores Logísticos 2022, o segmento teve receita bruta de R$ 166 bilhões no Brasil em 2021. Realizado pela Associação Brasileira de Operadores Logísticos (ABOL) em parceria com o ILOS, o levantamento também revelou que 9 a cada 10 operadores logísticos planejavam aumentar postos de trabalho ao longo de 2022.
Mas isso não significa não haver desafios a serem enfrentados. Questões tributárias, volatilidade do preço dos combustíveis e o simples desconhecimento das atividades realizadas pelos operadores logísticos são apenas alguns dos obstáculos enfrentados pelo setor.
O cenário foi abordado no “Start da Semana”, com a participação da diretora-executiva da ABOL, Marcella Cunha. Na entrevista exclusiva para a MundoLogística, ela falou sobre o Projeto de Lei 3757/2020 – que propõe a regulamentação da atividade dos OLs no Brasil –, a posição da ABOL frente a questões pertinentes ao segmento – como ESG –, intermodalidade e muito mais.
Leia na íntegra!
MUNDOLOGÍSTICA: Você esteve recentemente com o novo ministro dos Transportes, Renan Filho, para falar das demandas para os operadores logísticos. Quais foram os tópicos levados para essa conversa e qual a visão do Governo Federal nesse sentido?
MARCELLA CUNHA: O ministro nos recebeu sem ainda ter um segundo escalão definido [secretário executivo e demais técnicos da equipe]. Então, foi uma visita de aproximação em que levamos as principais pautas do setor para que ele tenha em mente quais são as prioridades para os próximos anos, em particular no próximo. Ele não foi taxativo ou muito opinativo em relação às demandas, apenas as recebeu com muita abertura e boa vontade. Acho que os próximos encontros serão mais frutíferos no sentido de entender qual será a posição do ministério em relação aos temas. Falamos sobre a desoneração da folha de pagamento e a importância de ser mantida para o setor de transportes; falamos também sobre a importância de ter uma reforma tributária ampla, algo que todos os segmentos defendem. Falamos também, obviamente, do nosso projeto de lei que cria um marco legal para os operadores logísticos [o PL 3757/2020] e pedimos o apoio da pasta para apoiar o projeto formalmente para tramitar mais rapidamente no congresso nacional. Ele viu o projeto com bons olhos. Levamos também as medidas provisórias que já estão na praça e que serão publicadas pelo novo ministro. As medidas têm a ver basicamente com créditos tributários, principalmente em relação a PIS, COFINS e aquisição do óleo diesel, que geram uma economia superimportante para o setor, além da medida provisória [publicada na gestão anterior] sobre o seguro da carga.
Em novembro do ano passado, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o PL que regulamenta a atividade dos operadores logísticos, mas o projeto ainda precisa passar pelas demais comissões da câmara e também pelo Senado. Como a ABOL planeja atuar em prol disso, neste ano?
A gente precisa sentar com grupos de interesse que querem contribuir com o projeto. A ideia é que, caso seja necessário, nós façamos alterações no relatório que está na CDeics [Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviço], na Câmara [dos Deputados]. Eu já pedi para o novo presidente da comissão avaliar a pauta junto ao relator [o deputado Carlos Chiodini]. Nós daremos esse passo atrás. Caso não haja necessidade de fazer alterações, vamos seguir com o texto como está e já pedir pauta para na CDeics. Depois, tem a CCJ [Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania], para analisar os aspectos jurídicos e constitucionais do PL e, após essa aprovação, o projeto irá para o Senado, onde temos que começar a levar para o conhecimento dos senadores os detalhes do projeto de lei.
No caso de o PL ser aprovado, quais serão os próximos passos da ABOL em prol dos operadores?
Com essa lei sancionada, a nossa expectativa é que haja uma compreensão maior entre os órgãos anuentes e fiscalizadores, um entendimento harmonizado sobre o que o operador logístico é e faz, atendendo à taxonomia do 3PL. Esse é um conceito mundialmente conhecido e nós pretendemos cravá-lo aqui no Brasil por meio desse projeto de lei, para que esse entendimento sobre o que somos e o que fazemos seja cascateado para as agências reguladoras, os órgãos anuentes e fiscalizadores. Com isso, nós teremos uma redução drástica de autuações indevidas. Esperamos que isso facilite algumas lógicas tributárias em relação às nossas atividades, como o crossdocking, que muitos órgãos não entendem. A ideia é que esse PL explique como funciona essa operação e que ela também possa ser aplicada, por exemplo, a produtos mais sensíveis, como medicamentos.
A visão de uma integração de serviços, que configura um OL, é algo relativamente recente. Qual foi o turning point para que essa estratégia fosse observada e implementada com mais atenção?
Pelo simples fato de hoje termos uma idade média de 34 anos – empresas associadas à ABOL que são operadores logísticos –, ainda não há um entendimento claro, uniformizado e de ampla divulgação entre autoridades públicas e a sociedade geral. É por isso que precisamos desse projeto de lei para jogar mais luz a essa atividade que é essencial e imprescindível para o abastecimento do país e nossas exportações. Qualquer atividade econômica terá, em algum nível, um operador logístico envolvido.
Na sua opinião, alguma cadeia de abastecimento teve mais participação na “popularização” do conceito de OL?
Entre os embarcadores, está muito clara a importância da atuação dos operadores logísticos. A indústria da celulose, por exemplo, precisa de um operador logístico para fazer o inbound, e depois o outbound. Nós também somos imprescindíveis para empresas de e-commerce e varejo, principalmente para aquelas que querem internalizar a própria logística, mas não conseguem fazê-la completamente. No entanto, para o consumidor final, talvez o papel do operador não seja tão claro. Também queremos “atacar” esse público. A ABOL tem feito isso nos últimos anos, principalmente com conteúdos educativos em nossas redes sociais. A ideia é tornar o setor mais palatável para esse público, de modo que sejamos mais valorizados.
Atualmente, a ABOL tem mais de 30 associados, que são muito diversos em termos de segmento de atuação e perfil de cliente. Como isso se reflete na atuação da associação?
Temos desafios comuns, principalmente quando se fala em tributação, impostos e dificuldades com fiscalização. Porém, alguns nichos apresentam um pouco mais de dificuldade, como a cadeia de frio, pois exige um contato maior com a Anvisa. No caso do agronegócio, também há necessidades específicas, com uma atuação mais voltada para a região Centro-Oeste. Tentamos “atacar” todos esses nichos, mas sempre pensando em pautas setoriais que interessem a todos – ou à grande maioria, sem haver conflitos de interesse.
A multimodalidade também é uma grande questão quando se pensa na atividade do operador logístico. Como esse tema deve ser encarado pelo setor nos próximos anos?
É sempre válido diferenciar os dois conceitos: intermodalidade e multimodalidade. Atuamos em prol da intermodalidade. No caso da multimodalidade, que envolve a figura do OTM [Operador de Transporte Multimodal], que depende da unificação documental para fins fiscais e legais. A ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestes] é o órgão habilitador, mas essa simplificação esperada não foi feita ainda por dificuldades do governo de ter que lidar com diferentes “entes” e outras questões burocráticas. Então, nós deixamos claro que somos intermodais. Temos operadores que lidam basicamente com todos os modais, como a DHL e a FedEx, enquanto outros focam apenas em ferrovias, como a Brado. O fato é que todos eles têm que lidar com rodovias, pois, no fim das contas, precisam fazer o last mile ou precisam acessar os portos. Depende muito da estratégia de cada operador do nosso grupo e dos clientes que eles atendem. A depender de um projeto novo para o setor de agronegócio, um cliente pode precisar pensar em rodovias. Não necessariamente terá que comprar ativos, mas vai se associar a alguma concessão ferroviária de carga. Nesse sentido de pensar em soluções sistêmicas, a intermodalidade está no nosso DNA, ainda que isso não implique que a empresa irá comprar ativos em outros modais. Essa ligação é muito mais sobre como resolver o problema do cliente e quais parcerias são possíveis para isso.
Não dá para deixar de falar sobre sustentabilidade, que é um tema extremamente presente. Como a ABOL está se posicionando nesse sentido, pensando na importância de conscientizar o setor sobre isso?
No último ano, a ABOL vem assumindo esse papel de vetor conscientizador. Por conta disso, nós criamos o grupo ESG, formado por membros de praticamente todos os nossos associados. São pessoas contratadas especificamente para tratar do tema dentro dessas empresas, ou já eram de alguma área mais ligada à sustentabilidade e passaram a coordenar essa pauta de forma estratégica e contam com a ABOL para que esses trabalhos sejam desenvolvidos no direcionamento certo. Dentro desse grupo, nós já temos metas estabelecidas para 2023. Queremos fazer workshops com os associados para criar uma matriz de materialidade, entendendo quais são os temas caros e mais complexos para o nosso setor entre emissões de CO2, diversidade de equipes, a própria questão da logística reversa e outras questões voltadas para meio ambiente. Governança também é um tema muito delicado e nós queremos ajudar as empresas a se fortalecerem nesse sentido. É possível que, até o final deste ano, tenhamos uma Agenda 2030 da ABOL pensando em ESG, com uma mensagem do setor para o mercado de que, para além dos relatórios individuais que algumas empresas já publicam, nós também teremos uma agenda setorial para enfrentar esses problemas que precisam de atuação macro para serem diminuídos de uma forma mais eficiente.
Falar de sustentabilidade pressupõe falar de ESG, inclusive para lançar luz ao fato de que existem duas outras letras nessa sigla que são igualmente importantes. Você diria que os operadores logísticos no Brasil estão atentos e preparados para executar o que essa agenda propõe?
Parte está preparada, com a publicação de relatórios e realização de consultorias. Até porque existe uma demanda muito alta dos próprios embarcadores. Vários clientes que nossos associados têm na indústria automobilística já cobram, por exemplo, o controle de emissões de CO2 dos operadores, pois eles querem cruzar esses dados para prestarem contas aos investidores. É um caminho sem volta. Nós já vemos que uma parcela do nosso grupo está muito preparada para atender essas necessidades, mas outra parte ainda está começando. Então, a ideia da ABOL é, minimamente, colocar todo mundo na mesma página. As empresas que estão começando estão tendo mais contato com consultorias e avaliando a contratação de parceiros, inclusive internacional. Não é um setor que está parado, mas vemos uma diferença, a depender da empresa. Em geral, as empresas que possuem estrutura global têm mais facilidade de implementar questões de ESG no Brasil porque possuem benchmark da própria empresa feito nos Estados Unidos e na Europa, regiões em que esse assunto está mais avançado. A boa notícia é que todas as empresas do meu grupo estão olhando para essa questão, ainda que estejam em estágios e níveis diferentes de desenvolvimento.
Na sua visão, qual é o maior entrave que os operadores logísticos enfrentam hoje no Brasil?
Com certeza a falta de uma reforma tributária, de um sistema tributário justo e previsível. [Outras questões são] a questão da volatilidade do dólar e do preço do combustível. No ano passado, nós tivemos doze ajustes da Petrobras em relação ao valor do óleo diesel, e alguns contratos dos meus associados com clientes ficaram muito prejudicados, pois eles não conseguiam ser atualizados em tempo real ou havia a necessidade de o operador sentar com o embarcador e renegociar. Isso gerava um estresse muito grande. Inclusive, alguns contratos passaram a ter cláusulas de reajuste contratual em um período mais curto. Sofremos muito com essa volatilidade do preço do diesel, pois esse valor é vinculado ao preço no exterior pela política de paridade internacional. E, obviamente, a falta de entendimento da complexidade do trabalho realizado pelos operadores logísticos, o que geram autuações indevidas de órgãos fiscais como a Anvisa.
Muitas empresas têm visto o ato de se tornarem operadores logísticos como uma oportunidade de negócios. Como esse movimento é visto/interpretado pelo setor de OLs?
Existem diversos movimentos transversais e paralelos dentro do nosso mercado, pois é um mercado extremamente dinâmico. Dentro do meu próprio grupo há empresas que eram apenas companhias de transporte rodoviário de cargas e que, à medida que cresceram, precisou modernizar seus portfólios de serviços. Com isso, muitas delas viram a oportunidade de oferecerem outros serviços a ponto de se tornarem um operador logístico. Sabemos que nem todo mundo “chega lá” e consegue se consolidar, mas é um movimento completamente natural. Há, inclusive, empresas que deixam de ser 3PL para serem 4PL ou 5PL. Ou seja, focam mais em sistemas, softwares e tecnologias de gestão de projetos do que puramente ter ativos ou fazer o que estavam acostumadas a fazer. É algo extremamente volátil e não dá para julgar se é bom ou ruim. É simplesmente a natureza do mercado, da forma como ele é.
Fonte: Mundo Logística